A Consolação da Filosofia – Boécio

“Vinde a mim, vós todos que estais aflitos sob o fardo, e eu vos aliviarei” - O Evangelho Segundo São Mateus, 11,28.

Boécio foi um filósofo, poeta, teólogo e estadista romano do século VI. Ele é considerado o mediador entre os períodos da antiguidade tardia e o começo da Idade Média latina, conhecida como “escolástica”. O seu trabalho “A Consolação da Filosofia” influenciou toda esta época que estava para surgir, e os seus intelectuais, filósofos, teólogos e santos! Este livro foi um deleite do começo ao fim. Embora o contexto no qual ele foi criado seja uma situação trágica, pois o Boécio estava preso, injustamente, acusado pelo crime de traição sob o rei ostrogótico Teodorico, o Grande. Ele passou um ano na prisão aguardando a sua sentença de morte.

Além de Boécio estar insirido nesta época de transição, o contexto histórico também é sobre o conhecimento do mundo grego estar desaparecendo rapidamente, levando os estudiosos ao esquecimento de filósofos gregos antigos como Platão e Aristóteles. Ele é especialmente lembrado pela Consolação da Filosofia, mas também desempenhou um importante papel de ressurgir o interesse pelos filósofos da antiguidade, graças a ele Categorias, de Aristóteles, foi traduzido para o latim e também alguns outros trabalhos de Platão.

O livro é caracterizado por um diálogo entre a Filosofia e o Boécio. Este a personificou em uma mulher com vestes de fios delicados, que a mesma fez. Seu porte inspira respeito, os olhos são flamejantes e revelam clarividência. Seu rosto resplandece, com feições de cores vívidas e que emanam uma “força inexaurível”. No início do livro, a Filosofia é apresentada como esquecida e maltratada porque os intelectuais romanos esqueceram dos gregos e os interpretaram erroneamente. Até o próprio Boécio havia se esquecido deles.

Após o autor ter se lamentado, invocando as Musas, pois estas sempre aparecem para evocar algum sentimento, como a cólera, que ocorre no Canto I da Ilíada, aqui uma elegia foi convocada. A cara Filosofia lhe aparece e não gostou nem um pouco das Musas com seus cantos de sereias. Ela então lhe fala: “Quem permitiu a estas impuras amantes do teatro aproximarem-se deste doente”? Confesso que este trecho tirou de mim boas risadas. Essencialmente o Boécio padece porque lhe falta razão e isto vai ficando cada vez mais claro ao longo do texto. Acredito que pode-se resumir esta obra da seguinte forma: a vitória da razão sobre a insesatez, que foi gerada devido a tristeza.

“(…) vou então tentar por um tempo dissipar por atividades sutis e mesuradas as trevas de tuas impressões enganosas, para que possas reconhecer o brilho da verdadeira luz.”

Segundo o Prof. José Monir Nasser, a Filosofia cura o doente como uma espécie de terapia. A sua primeira ação é tirá-lo do estado emocional e levá-lo à razão. Mas para isto, a Filosofia irá utilizar alguns métodos. O primeiro é fazê-lo (1) desabafar como se sente em seu interior; (2) lembrar que é além de um animal racional e mortal; (3) e que o fim último da alma humana é Deus.

“De fato, é devido ao esquecimento que estás perdido, que te lamentas de ter sido exilado e privado de teus bens. É porque desconheces qual é a finalidade do universo que tu imaginas serem felizes e poderosos os que te acusaram. É porque esqueceste as leis que regem o universo que julgas que a Fortuna segue seu curso arbitrário e que ela é deixada de livre soberana.”

Em seguida, a Filosofia percebe que o principal motivo da tristeza do Boécio é o fato dele ter perdido tudo o que ele possuía e toma este acontecimento como uma reviravolta da Fortuna, mais uma vez ela lhe diz que se ele se lembrasse da sua natureza, não estaria em desespero. Ela irá interpretar a Fortuna para argumentar sobre o fato deste mundo ser regido por Deus e que as coisas não são ao acaso. Fala-lhe que há época em que a terra se veste de flores e frutos, e depois de chuvas e geadas. É a insatisfação do homem a causa de tanta melancolia e não das circunstências em si mesmas e embora a tempestade por mais violenta que seja, não é capaz de abater aquele que possui âncoras bem firmes.

“Para tudo há um tempo, para cada coisa há um momento debaixo do céu” - Eclesiastes, 3.

Ela lhe diz sobre como a nossa natureza é buscar a nossa origem, o princípio de tudo, como o pássaro que sempre busca a liberdade no bosque e como esta analogia se assemelha a busca pela felicidade, o que no fim significa a busca por Deus, a felicidade em si mesmo. Mas quando buscamos algo que está fora de Deus, nunca estamos satisfeitos, completamente felizes. O oposto dessa natureza sempre é hostil e destrutivo. Assim, creio que o pecado é hostil e destruidor ao gênero humano, pois a nossa natureza é a divina, porque fomos feitos à imagem e semelhança de Deus. Então Deus é o bem, e é o bem que governa e garante a estabilidade do universo.

“A terra estava sem forma e vazia; as trevas cobriam o abismo e o Espírito de Deus pairava sobre as águas.” - Gênesis, 1.

Boécio então lhe fala que sua maior angústia é ainda que o mal possa existir e até continuar impune e que a virtude não receba nenhuma recompensa, mesmo o universo sendo regido pelo bem supremo. Então é neste livro (IV) que a Filosofia inicia a sua explicação sobre como o poder está sempre ao lado dos bons, enquanto os maus são impotentes, daí começa a surgir os conceitos de vontade e capacidade humana. Quando alguém deseja algo e não consegue realizar este algo, é a capacidade que lhe falta. E quando acontece o oposto, é a falta de vontade. Portanto a ação não pode alcançar a plenitude por causa da falta de um dos dois. A vontade e a capacidade unidas buscam o bem, tanto os bons e os maus fazem isto e a obtenção do bem torna alguém bom, logo, se um mau obtém o bem, deixa de ser mau. “Por conseguinte, dado que tanto uns quanto outros buscam o bem, enquanto uns obtêm e outros não, podemos duvidar do poder dos bons e da fraqueza dos maus?

Os maus demonstram a sua fraqueza pela intemperança, pela sua incapacidade de resistir ao vício. Quando eles desviam do bem com plena consciência, além de tornarem-se fracos, deixam simplesmente de ser, “pois aqueles que renunciam àquilo a que tendem todas as coisas cessam ao mesmo tempo de ser” porque para ser, é necessário conservar a boa ordenação da alma e preservar a própria natureza, então aquele que renuncia a sua natureza, renuncia também “a ser aquilo de que sua natureza depende“. Argumenta também que o justo mesmo sofrendo infortúnios, o seu sofrimento é atenuado porque ele participa do Bem. E os maus se beneficiam quando são punidos, pois uma parte do bem, a justiça, lhes é acrescentada.

No Livro V, os temas abordados são o livre arbítrio, a presciência de Deus e a Providência. Nestes temas, há influência de Aristóteles, especificamente da obra Física. A Filosofia diz que este filósofo nos fornece a definição que chega mais perto da verdade. A definição trata-se de que quando ocorre algo além do previsto em uma ação realizada com um determinado fim, chama-se isto de “acaso”. Este é definido como um acontecimento inesperado, resultado de variadas circunstâncias. O que provoca estas circunstâncias variadas é a ordem que procede todo o encadeamento inevitável, o que tem fonte a Providência, pois ela dispõe todas as coisas em seus lugares e tempo.

O livre arbítrio existe e não contradiz a presciência de Deus, e se fosse o contrário, nenhum ser dotado de razão poderia existir. Todo ser racional possui a faculdade do juízo, o que lhe permite escolher o que lhe é desejável e evitar aquilo que não lhe é desejável. É a faculdade que lhe permite distinguir cada coisa. Quanto mais uma pessoa escolhe o bem, mais livre ela se torna. E quando ela escolhe mais se ligar à carne e ainda ser levada completamente pelos vícios, maior é o seu estado de servidão. Neste livro também é abordado sobre a variedade de tipos de conhecimentos, e isto ocorre devido as diferentes variedades de substâncias. A Filosofia explica que isto acontece porque o homem é percebido conforme um modo diverso: os sentidos, a imaginação, e a razão ou a inteligência. Assim cada coisa é percebida através de sua natureza, por exemplo, as coisas materiais só podem ser conhecidas através dos sentidos.

Enfim, são temas muito complexos explicados por todo o livro e tentei trazer aqui um resumo do que a Filosofia ensina ao Boécio e o modo que utilizou para tirá-lo do seu estado depressivo. Até mesmo o próprio autor enfatiza que o homem não pode saber tudo sobre Deus. Espero que ninguém se sinta incapaz de ler esta obra, eu consegui com a ajuda de alguns materiais que pesquisei pela internet, também pela aula do Prof. José Monir Nasser e da Prof.ª Sílvia Maria de Contaldo, são encontrados no Youtube.

O livro é um ótimo exemplo de que fé e razão não são contraditórias, pois o Boécio faz toda uma peregrinação para explicar a existência de Deus usando somente raciocínios filosóficos. Nada do que ele escreveu contradiz a doutrina, inclusive ele foi beatificado pelo Papa Leão XIII em 25 de dezembro de 1883 e a sua festa é no dia 23 de outubro. São Severino Boécio, rogai por nós!

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Resolvi começar a escrever mais sobre minhas leituras no Bosque, e desta vez estou tendo a audácia de pedir livros! (rindo de nervoso). Aqui está a lista: Lista do Bosque do Robin. O link também está no topo do blog. Eu gostaria de compartilhar mais o que venho aprendendo sobre assuntos do meu interesse e quem sabe trocar idéia com quem me lê. Também criei um link de associado da Amazon, então se você gostou desse texto, deseja obter o livro e quiser me ajudar, compra através deste link, por favor? Que Deus lhe abençoe!

Obrigada pela visita. ♡

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