Memórias do Subsolo – Fiódor Dostoiévski

“Aproximemo-nos, pois, de coração sincero, cheios de fé, com o coração purificado da má consciência e o corpo lavado com água pura.”
― Hebreus, 10,22

Minha leitura mais recente (e que leitura!) foi Memórias do Subsolo. Aqui eu disse que foi um livro que mexeu muito com a minha alma, e eu acredito que isso acontece com todos os que se aventuram pelo subsolo, guiados por um personagem misterioso.

A personagem principal também é o narrador da história, portanto, todos os acontecimentos relatados são do ponto de vista do Homem do subsolo, e isso significa que talvez ele imaginou e exagerou coisas sobre os acontecimentos, ou não… O romance é uma espécie de diário composto por anotações onde descreve sobre a sua vida e sobre os seus pensamentos. Por se tratar de um diário, a personagem sente-se livre e à vontade para escrever o que há de mais profundo em seu íntimo, então o narrador revela suas falhas, contradições e reflexões. Pois bem, estas reflexões são dotadas de uma grande sensibilidade, ouso nomear desta maneira porque me refiro a sensibilidade em alcançar o cerne de sua própria alma.

É de impressionar, a nós leitores, o quanto ele compreendia sobre o que a perversidade pode causar em um ser humano. Ele é um homem amargurado, que se ofende por qualquer banalidade, se ofende ao ponto de desejar levar a ofensa até as últimas consequências e, ao mesmo tempo, ele se envergonha de não conseguir alcançar essas últimas consequências, de não ser capaz de ser um inseto (como o próprio se auto refere). Seu íntimo está mergulhado nas ideias vigentes da época, o niilismo, o romantismo, o racionalismo e o existencialismo. Vamos por parte, inicio pelo existencialismo.

O existencialismo é uma filosofia que afirma que os humanos devem procurar encontrar significado, identidade e moralidade em um universo sem sentido e incompreensível. A pessoa existencial luta para compreender quem ela é e como essa identidade se encaixa em um universo incognoscível.

O racionalismo estava na moda também na Rússia durante o século XIX, esta filosofia fundamentava que o homem é inatamente bom, portanto, se ele agir racionalmente e pensando nos seus próprios interesses, o mundo se tornaria perfeito. Na Rússia, o principal porta-voz desta filosofia foi Nikolay Chernyshevsky, que popularizou as suas ideias no seu livro de 1863, What Is to Be Done? E o Memórias do Subsolo é também uma resposta para este livro. Dostoiévski, por ser um ortodoxo convicto, não acreditava nesta filosofia. Os santos do Oriente viam o pecado original como uma consequência da desobediência de Adão, e apesar de ter deixado uma mácula em seus descendentes, não era ao ponto de apagar a centelha de bondade pois o homem foi criado a imagem de Deus. Então, quando o homem trabalha pela bonda, a graça divina o ajuda. Bem, não vou me delongar tanto nesse assunto, mas eu acho importante ter uma noção a respeito, pois para entender o texto, tenho que entender o autor…

O romantismo também foi criticado pelo autor. Esta corrente se oponha ao iluminismo, ao progresso científico. Os românticos rejeitavam absolutamente o racionalismo e abraçavam completamente o instinto, o sentimento, a natureza. Há um tempo escrevi um pouquinho sobre Anna Kariênina e as influências de Tolstói que inspiraram o romance, por algum motivo, acredito que se encaixa nesse assunto porque em Walden (Henry David Thoreau) há bastante exaltação pela natureza, algo bem romântico.

Por fim, o niilismo, o grande alvo! Para a ortodoxia, o combate contra o demônio é algo contínuo e o intelecto está “despedaçado” pelo mal (por causa da ação demoníaca sobre a alma), causando dificuldade em se concentrar, então o ser humano precisa se concentrar em algo para conseguir se distanciar da decomposição do intelecto. Então para o Dostoiévski, os ateus não percebem que a morte (do corpo) não é a principal forma de decomposição do homem. Esta é a essência do niilismo. Então, é como se o autor estivesse colocando um espelho diante de um niilista para fazê-lo ver o que esta ideia é capaz de causar na alma se a pessoa quiser levar esta filosofia adiante, de realmente pô-la em prática.

A influência religiosa é muito nítida em todos os livros do Dostoiévski que são considerados de sua fase madura. Os seus personagens são caracterizados com uma elevada consciência de si mesmos e tal fato os destroem, inevitavelmente, porque eles se recusam a suportar o tormento de viver uma vida sem esperança e tornam-se como insetos vivendo no escuro do subsolo. Mas alguns encontram a luz da vela.

Eu decidi desenhar uma vela no escuro e mariposas ao redor porque a consciência de si mesmo é uma graça divina, o fogo é também símbolo do divino (o fogo sempre se ergue para o alto, purifica objetos, cauteriza etc) e as mariposas são símbolo do pecado. Acredito que, simbolicamente, consegue resumir a novela

O pobre homem do subsolo me fez imaginar que este subsolo onde se encontra é um lugar escuro, e o escuro desvanece a visão. Mas um lugar escuro precisa de luz para que se possa ver o que há no ambiente, então usamos uma vela e o fogo para iluminar. Este fogo é sempre sublime, pois se levanta para o alto… O pobre homem do subsolo fechou em si mesmo e não pôde olhar para o fogo da vela se erguendo para o céu.

Obrigada pela visita. ♡

Um pensamento em “Memórias do Subsolo – Fiódor Dostoiévski

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