“Pois, muito embora refreie os impulsos da cólera um dia, continuamente revolve no peito o rancor incontido”
A Ilíada é um poema épico, atribuído a Homero. É considerada a primeira obra literária do ocidente e que até hoje nenhuma outra conseguiu superá-la. Foi uma história conhecida através da tradição oral, só muito tempo depois foi passada para a forma de poema. Segundo Frederico Lourenço, foi no século VII a.C. que a Ilíada surgiu em poema através de Homero.
O debate acadêmico sobre a origem da Ilíada gira em torno da autoria, mas muitos estudiosos concordam que no início ela foi uma tradição oral e muito tempo após se tornou escrita. Crê que no século VI a.C., uma família da aristocracia ateniense providenciou uma edição oficial da obra em livro. Alguns séculos depois, Aristóteles fez uma nova edição, e esta foi lida por seu aluno mais famoso: Alexandre.
A Ilíada narra uma pequena parte da guerra de Troia, dando ênfase a cólera de Aquiles. “Canta-me a Cólera…”, é a primeira frase do Canto I do texto. Portanto, não temos no texto a história de Páris, a disputa das deusas para saber quem é a mais bela etc. Recomendo os livros do Menelaos Stephanides para ter uma compreensão maior de todo o enredo. A professora Elizabeth Vandiver fez um enredo básico como guia de estudo e acho que vale a pena copiar e colar aqui para quem se interessar:
- A mulher mais bonita do mundo, Helena, filha do grande deus Zeus e esposa do grego Menelau, foi raptada pelo príncipe troiano Páris.
- Sob o comando do irmão mais velho de Menelau, Agamenon, os gregos reuniram um exército para ir a Tróia e lutar pelo retorno de Helena.
- A guerra contra Tróia durou dez anos. A luta foi bastante equilibrada, com cada lado tendo seu guerreiro principal (Aquiles para os gregos, Heitor para os troianos).
- Aquiles era filho de uma mãe deusa, Tétis, e de um pai humano, Peleu. O casamento deles foi arranjado por Zeus, e Tétis não estava totalmente disposta.
- O maior guerreiro troiano, Heitor, foi morto pelo maior guerreiro grego, Aquiles, que foi morto por Paris.
- Finalmente, os gregos recorreram à malandragem. Usando o famoso ardil do Cavalo de Tróia, inventado por Ulisses, eles se infiltraram na cidade murada de Tróia e a saquearam à noite.
- Os gregos cometeram muitos ultrajes contra os troianos durante o Saque de Tróia. O mais importante deles foi o assassinato do rei Príamo no altar de sua casa, o assassinato do filho bebê de Heitor, Astyanax, jogando-o das muralhas da cidade e o estupro da filha de Príamo, Cassandra, no templo da deusa virgem Atena.
- Esses ultrajes enfureceram os deuses, levando a muitas dificuldades para os gregos sobreviventes em seu caminho para casa. Mais importante ainda, Agamenon foi morto por sua esposa e seu amante quando chegou em casa, e Odisseu passou dez anos vagando a caminho de Tróia.
A Ilíada narra o último ano da guerra e termina até a morte do herói Heitor. O ciclo épico de Homero é narrado em outros textos, mas estes foram perdidos, infelizmente, principalmente na época dos bárbaros que quando saqueavam as cidades, destruíam tudo o que viam pela frente, inclusive as bibliotecas. Então só temos o conhecimento da Ilíada e da Odisseia. Os livros completos são: 1- Cíprias; 2- Ilíada; 3- Etiópida; 4- Pequena Ilíada; 5- Iliu Persis; 6- Nostoi; 7- Odisseia; 8- Telegonia.
Para mim, esta leitura trouxe-me vários pensamentos e reflexões. Como se trata de um texto de milhares de anos atrás, tive que levar a minha mente também para esta época para conseguir compreender. Afinal, é um tremendo erro pôr o pensamento da atualidade para um tempo de tantos anos atrás. Fazer isto tiraria a verdade e seria até desonesto. Muitas coisas despertaram o meu interesse, o comportamento dos deuses, a moral da época e o coração do homem. Eu tentarei elaborar o meu raciocínio por aqui.
O mundo antigo era muito mais brutal se comparado com o nosso. Não existia este conceito da guerra ser algo horripilante e de que os homens se recusariam e a evitaram a todo custo, seria um absurdo pensar desta maneira. Na Grécia, era esperado que todos os homens livres lutassem. O seu sistema militar era extremamente disciplinar e o treinamento ocorria constantemente. Temos acesso de que o próprio Sócrates se orgulhava de seu serviço militar, opondo-se aos persas na batalha. A escravidão também era algo corriqueiro e os escravos eram obtidos nas batalhas, guerras. O oponente que perdia, era capturado como escravo. Os homens, mulheres e crianças eram escravizados e as mulheres jovens eram forçadas a serem concubinas.
Outra diferença que é bastante notória, são os deuses. Eles não se assemelham em nada com o Deus onipresente e onisciente, que se importa com os assuntos humanos, que é misericordioso etc. Os deuses do Olimpo se diferem dos homens apenas por serem imortais. Eles se interessam pelos homens, desde que estes sejam poderosos, reis, grandes guerreiros. Quando se trata de um simples camponês não dão tanta importância, mas estes sempre oferecem sacrifícios para “aplacar a ira dos deuses”. Na Ilíada, os deuses às vezes participam da guerra, disfarçados, para ajudarem os seus favoritos. Mas eles não fazem isso por sentirem alguma compaixão ou qualquer outro tipo de sentimento. Eles agem pelo caos, o caos pelo caos.
Bem, neste momento a leitura se tornou também como uma visão espiritual. Os deuses nada mais são os anjos que decidiram não servir mais a Deus, e sim a Satanás. Os heróis, pelo menos alguns, são os gigantes. “Naquele tempo viviam gigantes na terra, como também daí por diante, quando os filhos de Deus se uniram às filhas dos homens e elas geravam filhos. Estes são os heróis, tão afamados dos tempos antigos“. (Gênesis 6, 4). E é muito incrível que os deuses se assemelham bastante aos demônios: o caos pelo caos; imortais; podem se fazer passar por qualquer coisa ou pessoa; influenciam os homens etc. Mas este assunto é muito vasto e merece uma outra publicação…
É possível extrair também conceitos morais do texto, como a virtude, a honra e a glória. A Ilíada para a cultura helênica era como a Bíblia para os cristãos. Segundo Werner Jaeger, o conceito de “areté” é o tema essencial da história da formação grega. O significado mais próximo para esta palavra é “virtude”, mas não no conceito moral que temos, e sim como expressão “do mais alto ideal cavaleiresco unido a uma conduta cortês e distinta e ao heroísmo guerreiro”. Como mencionei no começo, a Ilíada é sobre a cólera de Aquiles. Por que ele está furioso? Porque Agamémnone roubou a sua concubina e isso era uma verdadeira humilhação e desonra. A virtude para os gregos está ligada a nobreza e a força física. Jaeger também diz que a honra está intimamente ligado a “areté” e o homem só recebe honra na mesma proporção que a sociedade a que pertence reconhece o seu valor. Se um homem nobre tivesse a sua honra negada ou ultrajada, seria a maior tragédia que poderia lhe ocorrer. Esta honra atinge o seu ápice com a morte física do guerreiro.
Esse conceito de honra era algo muito importante. Assim é possível compreender a fúria de Aquiles, o seu conflito com Agamémnone e porquê não aceitou, a princípio, os incontáveis presentes deste para reparar o ultraje feito, e também a sua indignação contra os gregos que o fez sair da batalha junto com os mirmidões. A “aretê” era tão essencial que a ofensa também se voltava contra quem ofendeu porque quem feria a virtude de alguém, também tinha a sua própria ofendida.
O coração do homem também é algo que chama a atenção. O que mais me marcou foi o Canto VI, o qual ocorre o encontro de Heitor com Andrômaca. Até desenhei um coração no livro de tanto que tocou o meu coração este momento. Quando o herói vê o seu filho, ele sorrir. Esta simples ação é algo que me faz pensar que apesar da guerra ou época, algumas coisas são intrínsecas ao ser humano, como ver o seu filhinho e simplesmente sorrir. O medo de Andrómaca de que o seu marido morra também é algo tão humano e a resposta de Heitor nos lembra de como era o pensamento daquela época em que os troianos se assemelham aos gregos, pois ele também anseia pela glória imortal.
A Ilíada também deu-me vontade de rir em muitos momentos. Acredito que vale a pena sim se aventurar nestas obras da antiguidade, pois há tanto o que ser dito e pensar! Espero que tenham gostado desta pequena explanação e sintam vontade de lê-la, caso ainda não tenham feito. E quem já leu, que sinta vontade de reler porque releituras são sempre maravilhosas! Ah, e agora se você ainda não possui o livro físico e deseja adquirir, faz isto com o meu link? A tradução é a mesma desta edição de bolso da foto, que é do Carlos Alberto Nunes. Lista do Bosque do Robin.
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