O Sobrinho do Mago e o planeta Vênus

Nessa publicação falei um pouquinho sobre o motivo de desejar regressar a Nárnia. Então estou aqui para compartilhar o que consegui perceber sobre o simbolismo dos planetas que o Lewis adicionou, intencionalmente, em cada história de Nárnia. Para esse esforço eu obtive ajuda de dois livros: The Medieval Mind of C. S. Lewis (Jason M. Baxter) e Planet Narnia (Michael Ward). O primeiro é sobre as influências medievais do Lewis, enquanto o segundo é focado no simbolismo dos planetas que estão contidos em As Crônicas de Nárnia.

No livro “The Medieval Mind of C. S. Lewis (Jason M. Baxter)”, o autor  faz um panaroma percorrendo por intelectuais que influenciaram a Idade Média e que Lewis conhecia profundamente. Um deles é Macrobius, um filósofo platônico que escrevia em latim, cujo trabalho descreveu a ideia da criação do mundo ser uma sinfonia. Por sua vez, essa ideia tem como base o livro “Sonho de Cipião”, do político Marco Túlio Cicero.

Neste sonho há um momento em que Cipião olha para baixo e vê o cosmos se movendo sob seus pés (isso se repete em A Divina Comédia), e então, ele começa a ouvir uma música magnífica, e questiona: “O que é esse som, tão alto e ainda assim tão doce, que enche meus ouvidos?” Seu guia responde: Esse é o som produzido pelo ímpeto e momento das próprias esferas. É composto de intervalos que, embora desiguais, são determinados sistematicamente por proporções fixas. A mistura de notas altas e baixas produz um fluxo uniforme de várias harmonias…”

“Então a nossa boca se encheu de riso e a nossa língua de cânticos.” Salmo 125, 2.

Dei uma pequena pincelada nesse contexto da música porque um dos signos que Vênus rege é o signo de Touro, este por sua vez tem esse símbolo de estar associado a região do pescoço, garganta, laringe, tireoide, língua, cordas vocais. Acho que consigo imaginar o porquê a criação de Nárnia seja tão musical! Pois cantar e, o som ainda ser tão belo, tem tudo a ver com o planeta Vênus. Vejamos alguns trechos do capítulo que antecede a Criação de Nárnia:

No escuro, finalmente, alguma coisa começava a acontecer. Uma voz cantava. Muito longe. Nem mesmo era possível precisar a direção de onde vinha. Parecia vir de todas as direções, e Digory chegou a pensar que vinha do fundo da terra. Certas notas pareciam a voz da própria terra. O canto não tinha palavras. Nem chegava a ser um canto. De qualquer forma, era o mais belo som que ele já ouvira. Tão bonito que chegava a ser quase insuportável. O cavalo também parecia estar gostando muito, pois relinchou como faria um cavalo de carga se, depois de anos e anos de duro trabalho, se encontrasse livre na mesma campina onde correra quando jovem e, de repente, visse um velho amigo cruzando a relva trazendo-lhe um torrão de açúcar”

É interessante que o canto é o primeiro sinal de algo no escuro, assim como Vênus que se mostra tão brilhante quando a noite começa a cair. Toda a melodia é descrita como bela, uma beleza tão avassaladora que causava uma certa insuportabilidade. Tal descrição lembra-me dos anjos ao aparecerem para as pessoas e sempre diziam: “Não temas”. Às vezes a beleza pode nos causar esse tipo de espanto ou temor, não necessariamente algo admirável como estamos acostumados a pensar. O cavalo, o cocheiro e as crianças são os únicos maravilhados pelo canto. Enquanto Jadis e Tio André a consideram insuportável.

“– Louvado seja! – disse o cocheiro. – Se eu soubesse que existiam coisas assim, teria sido um homem muito melhor.”

“O céu do oriente passou de branco para rosa, e de rosa para dourado. A Voz subiu, subiu, até que todo o ar vibrou com ela. E quando atingiu o mais potente e glorioso som que já havia produzido, o sol nasceu.”

“A terra tinha muitas cores – cores novas, quentes e brilhantes, que faziam a gente exaltar… Até que se visse o próprio Cantor. Então, todo o resto seria esquecido.”

O canto foi o que mais me marcou, mas há outros trechos da Crônica que podemos perceber algo venusiano. Por exemplo, quando Polly e Digory decidem explorar um túnel que dava entrada para as casas da vizinhança, mas eles estavam mais curiosos a respeito de uma casa abandonada. Eles conseguem acessar a casa abandonada e se surpreendem por encontrarem um sótão bem arrumado e mobiliado como uma sala de estar, até que Poly se dá conta de uma bandeja de madeira contendo um determinado número de anéis.

“Os anéis estavam colocados em pares – um amarelo e um verde juntos, um pequeno espaço, depois outro anel amarelo com um anel verde. Não eram maiores do que os anéis comuns, e era impossível deixar de olhar para eles, pois eram muito brilhantes e bonitos”.

Acredito que essa descrição sobre os anéis pode ser utilizada para descrever Vênus. Não sei se você costuma contemplar o céu noturno, mas Vênus é extremamente brilhante até mesmo em um céu afligido pelas luzes artificiais do ambiente urbano. Então imagina como não deveria ser para o homem medieval, que vivia em uma época que ainda não existia a eletricidade, observar este planeta?! Com certeza ele deveria vê-lo brilhando tão intensamente! Essa experiência se tornou incomum para muitas pessoas, somente quem vive longe das luzes artificiais tem a oportunidade de contemplar um céu salpicado de estrelas.

Observei também que há um capítulo chamado de “A primeira piada”, pois Vênus também simboliza o riso porque ele é prazeroso. E o capítulo mais comovente dessa história é quando Digory dá a sua mãe o fruto que ele colheu em Nárnia e que é capaz de curá-la. Este fruto é uma maçã, e mais uma vez podemos notar algo venusiano porque a maçã é uma espécie de planta associada ao planeta Vênus, assim como as demais espécies da família botânica Rosaceae.

Gravei um áudio sobre esse livro, eu acabei falando mais sobre outros aspectos. Então tá aqui o vídeo para quem quiser ouvir.

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A leste do Sol, a oeste da Lua

Recentemente concluí a saga dos Guerreiros Deuses de Cavaleiros do Zodíaco, então inevitavelmente a curiosidade sobre os mitos e o folclore nórdico aflorou. Comecei a ler um livro sobre a mitologia e cosmologia dos nórdicos e um outro com uma seleção de contos de fadas, é este o da foto acima. Mas antes de iniciar as minhas impressões, deixo aqui o meu agradecimento ao padre islandês Semundo, o Sábio, porque foi ele um dos responsáveis pelas fontes da mitologia nórdica. Então se pude me divertir com estas histórias e meditá-las, devo ao Semundo, o Sábio. Obrigada! Amo mitologia e contos de fadas!!

Bem, um dos contos me chamou a atenção porque ele é bastante semelhante ao mito de Psique e Cupido. O que também me lembrou do romance Até Que Tenhamos Rostos, do C. S. Lewis, que é uma releitura desse mito. Estou falando do conto de título A Leste do Sol, A Oeste da Lua (East of the Sun and West of the Moon). Nesse conto, acompanhamos a história de uma mocinha que se casa com um urso branco e acaba descobrindo que ele é um príncipe que está amaldiçoado!

Essa história se assemelha ao mito mencionado anteriormente porque quando a mocinha da história vai dormir, ela percebe que não é o urso que se deita na cama, mas um homem. Então ela acaba sendo persuadida por sua mãe a acender uma vela quando ele esteve dormindo para poder vê-lo. Embora o urso, prevendo que ela seria muito provavelmente aconselhada a fazer isto, lhe diz para não contar nada sobre eles a sua mãe. Mas ela não resiste a tentação da curiosidade e acaba olhando para o príncipe sob a luz da vela.

A esperança de ter a maldição quebrada se esvai e o príncipe lhe diz que agora ele terá que se casar com uma princesa que vive em um castelo a leste do sol e a oeste da lua. A mocinha decide percorrer uma jornada em busca desse lugar desconhecido e misterioso, conhece vários personagens que lhe ajudarão nessa viagem. Mas diferente da história dos mitos, esse conto de fada tem um final feliz!

Para título de curiosidade, recomendo ouvir a música East of the Sun da banda a-ha, pois ela é inspirada neste conto.

Para mim, é sempre interessante observar as semelhanças nas histórias… E o que mais me fascina nos contos de fadas são os finais felizes, o que nem sempre ocorre com os mitos.

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A Princesa Flutuante, George McDonald

20 de janeiro de 2025: A noite demorou a cair, e no momento tudo é escuro… O curioso é que são nestes momentos que acontecem relâmpagos de pensamentos luminosos após um tempo de ter concluído uma leitura.

Bem, ontem eu terminei de ler A Princesa Flutuante e eu me surpreendi com o desenrolar da história! No começo da história a princesa é amaldiçoada pela sua tia bruxa e vingativa. A maldição consiste em perder a sua gravidade, então ela flutua como uma cípsela de dente-de-leão, ou como as nuvens… O curioso é que essa leveza abarca todos os âmbitos de sua vida.

“A menininha tinha sobre si apenas o manto etéreo do próprio sono.”

Essa leveza da Princesa, além de flutuar, consistia em nunca sentir tristeza, tampouco mágoa. Dar risadas de tudo e de todos. O mundo lhe parece uma brincadeira, ou melhor, o mundo lhe é, autenticamente, uma brincadeira. Seu jeito de ser é irritante em alguns momentos para os seus pais, mas no fim, ela é amada e querida por todos justamente por esse espírito tão pueril e encantador.

A princípio, eu estava considerando essa caracterísitca maravilhosa, imagina só nunca chorar?! Mas após um tempo pensando, creio que um dos temas que se pode observar na Princesa Flutuante é o quanto as lágrimas, principalmente as de arrependimento, são uma bênção. Há um momento da história que é muito comovente, é quando ela se dá conta de que toda essa alegria acabava a tornando entorpecida com a única pessoa que teve coragem de se sacrificar por ela, a Princesa se desata a chorar e a maldição quebra!

“Os sacrifícios que agradam a Deus são um espírito quebrantado; um coração quebrantado e contrito, ó Deus, não desprezarás.”

– Salmo 51.

O George McDonald conseguiu, através de um conto de fadas, falar sobre o coração contrito! Para mim, esse é o grande tema e o que mais despertou o meu interesse.

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Anseio por tornar a visitar Nárnia

“Presentes para vocês. São ferramentas, e não brinquedos. Talvez não esteja longe o dia em que precisará usá-las. Com honra!”  – O Leão, a Feiticeira e o Guarda-Roupa.

Olá! Um Feliz Natal a todos! Bem, aconteceram tantas coisas nos últimos meses de 2024! Muitas delas foram apenas vivenciadas dentro da minha cabeça e apesar de soar um tanto abstrato, eu ficaria feliz em poder compartilhar um pouco do que vivi em meu mundo interior nestas palavras:

É que sinto uma verdadeira alegria quando descubro algo que consegue saciar a minha curiosidade. E a partir disso, muita magia surge na minha vida interior, onde as chuvas são como palavras que extraio dos livros e saciam a sede da minha mente fértil, imaginativa. Então durante essa jornada, mergulhei nos assuntos do meu interesse, vulgo, tudo o que diz respeito a Idade Média, e acabei descobrindo que o C. S. Lewis dava aulas sobre esse assunto!

Como eu nunca pude imaginar tal fato? É tão óbvio haha. Neste ano eu li A Divina Comédia e a Trilogia Cósmica e percebi que ambos poderiam ser literaturas irmãs em alguns aspectos, e o aspecto essencial é a visão cosmológica do medievo. Além disso, foi uma feliz descoberta saber que o Lewis se inspirou bastante em Dante Alighieri, entre outros escritores medievais tanto quanto professor, como escritor de um mundo mágico e também de incorporar essa visão de mundo em si mesmo, não apenas levando para o lado profissional, pois este era só a superfície da sua riqueza interior.

Digo com toda a sinceridade de uma criança: essa exploração me levou até o céu! Pois encontrei uma chuva dourada tão encantadora quanto um céu salpicado de estrelas, um livro chamado “The Medieval Mind of C. S. Lewis”, por Jason M. Baxter. Nele, o autor conta detalhadamente sobre um Lewis que não é muito conhecido entre seu público, o Lewis medievalista! E digo que tudo isso me levou até o céu porque eu acabei descobrindo que cada livro de As Crônicas de Nárnia é uma espécie de tradução do simbolismo astrológico para leitores modernos. Só para dar uma pincelada nos simbolismos dos planetas e o livro correspondente: Júpiter: O Leão, a Feiticeira e o Guarda-Roupa; Marte: Príncipe Caspian; Sol: A Viagem do Peregrino da Alvorada; Lua: A Cadeira de Prata; Mercúrio: O Cavalo e seu Menino; Vênus: O Sobrinho do Mago; Saturno: A Última Batalha.

Creio que cheguei no topo da montanha e agora é só erguer os olhos para o alto e contemplar! Esta contemplação significa que dentro de mim foi plantada a semente do desejo de voltar para Nárnia, ah, como faz tempo a última vez que li essa história tão deliciosa! Estou com tantas expectativas para a releitura porque agora eu tenho uma bagagem literarária bem maior, estou ansiando pelas novas impressões que irão surgir na minha mente. Isso não é fascinante?! Nada melhor do que começar o ano com a presença de Aslam! Bom, pretendo iniciar Janeiro com O Sobrinho do Mago e prometo ficar bem atenta para notar o que existe de venusiano nesta história.

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A minha primeira leitura de A Divina Comédia

Concluí a minha primeira leitura de A Divina Comédia e ela se deu no início da primavera (aqui no hemisfério sul foi o outono), tal como o Dante que iniciou a sua jornada em busca pela Verdade na primavera também! Se eu tivesse combinado, não teria dado tão certo essa coincidência. Esse detalhe sobre a primavera me chamou a atenção porque segundo alguns cálculos medievais, 18 de março foi a data do primeiro dia da Criação! Isso é só um grão de areia diante da praia da cosmovisão de outrora, mas que infelizmente não é tão falada porque atualmente tudo isso é visto como superstição e coisas do tipo. Bem, eu devo o interesse por essa leitura ao físico Wolfgang Smith porque foi por eu ter lido o seu livro, A Sabedoria da Antiga Cosmologia, que decedi ler imediatamente A Divina Comédia. Que Deus o tenha!

No Inferno nem preciso dizer que foi um inferno ter lido (desculpa o trocadilho kkk). Mas é que nessa parte só tem desgraça, castigo, murmúrio etc. Por falar em murmúrio, no Canto III, há versos sobre almas que blasfemavam a si mesmas murmurando sobre o dia e/ou lugar que nasceu, isso me chamou muito a atenção! Um dos Cantos que mais me deixaram em choque foi o XXXIII que narra a história do conde Ugolino que foi traído pelo arcebispo Ruggieri, foi por ele detido, junto com seus filhos e dois netos, trancado em uma cela até morrerem de fome. Ler sobre um pai que vê sua família morrer lentamente e sem poder fazer nada me doeu muito.

No Purgatório as coisas começam a melhorar porque as almas, apesar de sofrerem, elas ao mesmo tempo, sentem a esperança do dia que sairão dali para adentrarem no Paraíso. Elas também acham justo a sua purificação e sempre pedem ao Dante, que ao regressar, falem com seus parentes para que rezem por eles. No final do Purgatório, chorei muito porque é quando o Virgílio se despede do Dante e não vai mais guiá-lo, também fiquei rindo ao mesmo tempo que chorava porque eu não estava acreditando que um livro estava fazendo isso comigo. O meu marido olhava para mim e não entendia nada kkkk.

Por fim, o Paraíso!! Essa foi a parte que eu mais estava ansiosa para ler porque sabia de antemão que ela é a que mais têm referências ao simbolismo astrológico. Simplesmente fiquei feliz ao ler cada verso e também por ter conseguido compreender o porquê de cada alma beata estar em determinado planeta. Acredito que isso aconteceu porque já tem algum tempo que tento aprender sobre o simbolismo da astrologia tradicional, e mesmo eu não sendo nenhuma especialista, deu para ter uma boa compreensão do texto. Com a graça de Deus, pretendo me aprofundar cada vez mais nesse assunto.

Preciso comentar um outro ponto que me chamou a atenção. No final do Paraíso (Canto XXIX) nos é apresentado a respeito do céu material, e este é animado pelas Inteligências Angélicas, os anjos fiéis a Deus. Quando Beatriz discursa sobre quais são as faculdades destas criaturas, ela diz que São Jerônimo escreveu sobre os anjos terem sido criados séculos antes de o mundo ter sido feito, e incentiva o Dante a procurar isso nas Sagradas Escrituras. Ah, esse assunto coincidiu com uma outra leitura que fiz nesse ano, a Trilogia Cósmica do C. S. Lewis!

Algumas coisas que me fizeram rir [uma nota para quem diz que A Divina Comédia não é uma comédia (outro trocadilho absurdo, desculpa, eu não me contenho kkkk)]: O Dante se colocando no clube dos maiores poetas do mundo; O modo como o Virgílio dava bronca ou conselhos para o Dante; o Dante fazendo um elogio para o signo de Gêmeos porque foi sob este signo que ele nasceu; o Dante parecendo a personificação daquela música do Cazuza (Exagerado) quando se tratava da Beatriz; a Beatriz ensinando sobre cosmologia ao Dante; e o fato de que o Dante fez um “exposed” de várias pessoas, inclusive de Papas.

Enfim, eu gostei muito de ter lido A Divina Comédia, apesar de ter me arrastado por tanto tempo nesse livro, ele se tornou um dos meus livros favoritos e se Deus quiser, pretendo sempre relê-lo! Acredito que com o tempo, terei mais bagagem para compreender a obra profundamente. Ficou muito nítido o quanto Dante Alighieri é um escritor genial, portanto, ele merece estar no clube dos grandes poetas.

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Céu da Lua – A Divina Comédia

Olá! Estou sentindo vontade de compartilhar o que observei durante a leitura do Paraíso na Divina Comédia. Estas observações são singelas e baseadas no pouco de conhecimento que aprendi, até o momento, sobre o simbolismo astrológico. Tentarei fazer uma publicação para cada planeta e espero que isso ajude de algum modo aos leitores deste clássico. Segue o meu texto:

Chegamos ao Canto do Paraíso da concha concêntrica da Lua! Mas antes de tecer qualquer comentário sobre o Canto III, gostaria de falar um pouco sobre o simbolismo da Lua na astrologia e em seguida sobre o que é narrado.

Bem, a Lua é um planeta de fases, portanto ela nos fala sobre a mutabilidade ou inconstância. Ela também nos fala sobre os nossos sentimentos mais íntimos, o que nos faz feliz profundamente, sobre o que precisamos para nos sentirmos seguros.

Neste canto conhecemos a alma de Piccarda, então o Dante lhe questiona se ela não se sente infeliz por estar no lugar mais distante de Deus e se gostaria de estar em um lugar superior. Ela responde que este sentimento é impossível no Paraíso, porque a felicidade dos beatos da Lua reside justamente em cumprir a vontade de Deus, e isso lhe dá o sentimento de paz.

Durante a sua vida na terra, Piccarda fez votos ainda adolescente, mas o seu irmão a obrigou a se casar com um nobre. Apesar desse infortúnio, Piccarda manteve em seu coração os votos que fizera.

Percebemos que o tema central neste Canto são os sentimentos e aquilo que levamos no mais âmago de nosso ser, a nossa vontade mais profunda… Como o exemplo de Piccarda que conservou em seu coração a sua promessa, a sua vontade mais profunda, aquilo que estava escondido e só ela e Deus sabiam.

Também percebemos uma alusão mitológica da deusa Diana. Dante explora a concepção tradicional da Lua como planeta de Diana, a deusa virgem e protetora das mulheres.

Interessante observar também que neste Canto são nos mostrados apenas mulheres, a Lua é um planeta feminino, de qualidade úmida e fria.

Acredito que a alma beata de Piccarda nos faz refletir sobre o quanto nosso interior é importante, apesar do que ocorre externamente. O seu coração se manteve fincado em seus votos como a Cruz fincada no Monte Gólgota, mesmo tendo sido obrigada a viver um casamento infeliz. Deus é o nosso Pai bondoso que se importa com nossos sentimentos mais profundos e as circunstâncias a qual estamos inseridos, conhece plenamente o nosso coração e não desprezou Piccarda por ela ter tido que quebrar o seus votos, pois em seu coração ela foi fiel.

A Lua nos diz sobre a inconstância dos sentimentos, mas no coração humano há uma força superior.

 

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Jornal Literário: Livro de Gênesis

Finalmente consegui fazer um resuminho para o Livro de Gênesis! Eu senti muita dificuldade pelo fato de ser um baita livro, exigi de mim mesma muita responsabilidade, não que nos outros eu não fizesse o mesmo… Enfim, acredito que deu para mencionar os principais pontos e também o que despertou mais a minha atenção.

No final do ano passado resolvi fazer jornais literários porque eles unem minhas paixões: estudo, literatura e pintura. Por aqui, já postei sobre Bambi (Felix Salten) e Memórias do Subsolo (Fiódor Dostoiévski). O objetivo é fazer para todas as minhas leituras enquanto houver papel nesse caderno. Acredito que é um boa maneira de meditar sobre minhas leituras, de amadurecer na alma tudo aquilo que ingeri ao ler. E por que não adicionar algumas ilustrações? Tenho pintado com láspis de cor, caneta preta comum e recentemente acrescentei canetinhas de pintura.

Escolhi a minha frase favorita que é sobre o céu, tudo o que há nele e o propósito desta criação em específico. Acho que dá para notar que quando Deus vai criando cada coisa, Ele dá uma vocação para ela, certo? Os luzeiros do céu tem o objetivo de separar o dia e a noite, servem de sinais e marcam o tempo. Simplesmente amo o céu!

A mão colhendo a maçã é meramente ilustrativo, pois eu não sei qual fruto era e também é pelo fato de ser algo que está muito no imaginário das pessoas.

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Memórias do Subsolo – Fiódor Dostoiévski

“Aproximemo-nos, pois, de coração sincero, cheios de fé, com o coração purificado da má consciência e o corpo lavado com água pura.”
― Hebreus, 10,22

Minha leitura mais recente (e que leitura!) foi Memórias do Subsolo. Aqui eu disse que foi um livro que mexeu muito com a minha alma, e eu acredito que isso acontece com todos os que se aventuram pelo subsolo, guiados por um personagem misterioso.

A personagem principal também é o narrador da história, portanto, todos os acontecimentos relatados são do ponto de vista do Homem do subsolo, e isso significa que talvez ele imaginou e exagerou coisas sobre os acontecimentos, ou não… O romance é uma espécie de diário composto por anotações onde descreve sobre a sua vida e sobre os seus pensamentos. Por se tratar de um diário, a personagem sente-se livre e à vontade para escrever o que há de mais profundo em seu íntimo, então o narrador revela suas falhas, contradições e reflexões. Pois bem, estas reflexões são dotadas de uma grande sensibilidade, ouso nomear desta maneira porque me refiro a sensibilidade em alcançar o cerne de sua própria alma.

É de impressionar, a nós leitores, o quanto ele compreendia sobre o que a perversidade pode causar em um ser humano. Ele é um homem amargurado, que se ofende por qualquer banalidade, se ofende ao ponto de desejar levar a ofensa até as últimas consequências e, ao mesmo tempo, ele se envergonha de não conseguir alcançar essas últimas consequências, de não ser capaz de ser um inseto (como o próprio se auto refere). Seu íntimo está mergulhado nas ideias vigentes da época, o niilismo, o romantismo, o racionalismo e o existencialismo. Vamos por parte, inicio pelo existencialismo.

O existencialismo é uma filosofia que afirma que os humanos devem procurar encontrar significado, identidade e moralidade em um universo sem sentido e incompreensível. A pessoa existencial luta para compreender quem ela é e como essa identidade se encaixa em um universo incognoscível.

O racionalismo estava na moda também na Rússia durante o século XIX, esta filosofia fundamentava que o homem é inatamente bom, portanto, se ele agir racionalmente e pensando nos seus próprios interesses, o mundo se tornaria perfeito. Na Rússia, o principal porta-voz desta filosofia foi Nikolay Chernyshevsky, que popularizou as suas ideias no seu livro de 1863, What Is to Be Done? E o Memórias do Subsolo é também uma resposta para este livro. Dostoiévski, por ser um ortodoxo convicto, não acreditava nesta filosofia. Os santos do Oriente viam o pecado original como uma consequência da desobediência de Adão, e apesar de ter deixado uma mácula em seus descendentes, não era ao ponto de apagar a centelha de bondade pois o homem foi criado a imagem de Deus. Então, quando o homem trabalha pela bonda, a graça divina o ajuda. Bem, não vou me delongar tanto nesse assunto, mas eu acho importante ter uma noção a respeito, pois para entender o texto, tenho que entender o autor…

O romantismo também foi criticado pelo autor. Esta corrente se oponha ao iluminismo, ao progresso científico. Os românticos rejeitavam absolutamente o racionalismo e abraçavam completamente o instinto, o sentimento, a natureza. Há um tempo escrevi um pouquinho sobre Anna Kariênina e as influências de Tolstói que inspiraram o romance, por algum motivo, acredito que se encaixa nesse assunto porque em Walden (Henry David Thoreau) há bastante exaltação pela natureza, algo bem romântico.

Por fim, o niilismo, o grande alvo! Para a ortodoxia, o combate contra o demônio é algo contínuo e o intelecto está “despedaçado” pelo mal (por causa da ação demoníaca sobre a alma), causando dificuldade em se concentrar, então o ser humano precisa se concentrar em algo para conseguir se distanciar da decomposição do intelecto. Então para o Dostoiévski, os ateus não percebem que a morte (do corpo) não é a principal forma de decomposição do homem. Esta é a essência do niilismo. Então, é como se o autor estivesse colocando um espelho diante de um niilista para fazê-lo ver o que esta ideia é capaz de causar na alma se a pessoa quiser levar esta filosofia adiante, de realmente pô-la em prática.

A influência religiosa é muito nítida em todos os livros do Dostoiévski que são considerados de sua fase madura. Os seus personagens são caracterizados com uma elevada consciência de si mesmos e tal fato os destroem, inevitavelmente, porque eles se recusam a suportar o tormento de viver uma vida sem esperança e tornam-se como insetos vivendo no escuro do subsolo. Mas alguns encontram a luz da vela.

Eu decidi desenhar uma vela no escuro e mariposas ao redor porque a consciência de si mesmo é uma graça divina, o fogo é também símbolo do divino (o fogo sempre se ergue para o alto, purifica objetos, cauteriza etc) e as mariposas são símbolo do pecado. Acredito que, simbolicamente, consegue resumir a novela

O pobre homem do subsolo me fez imaginar que este subsolo onde se encontra é um lugar escuro, e o escuro desvanece a visão. Mas um lugar escuro precisa de luz para que se possa ver o que há no ambiente, então usamos uma vela e o fogo para iluminar. Este fogo é sempre sublime, pois se levanta para o alto… O pobre homem do subsolo fechou em si mesmo e não pôde olhar para o fogo da vela se erguendo para o céu.

Obrigada pela visita. ♡

Sebo da Mimi

“Happiness is a warm puppy.”
― Charles M. Schulz

Adquiri dois livrinhos da coleção do Peanuts graças a uma amiga que iniciou um sebo online. O endereço online é este aqui para alguém que, assim como eu, ama visitar sebos presencialmente ou online e garimpar algo com um preço camarada.

Vou deixar uma parte da apresentação do sebo (eu achei uma fofura). Realmente, as bibliotecas são espaços mágicos, eu amo o ar que elas difundem e muitas vezes elas são o único acesso que uma pessoa pode ter a literatura. Quanto aos sebos, é uma maneira maravilhosa para começar a sua biblioteca particular. Espero que encontre algo de seu interesse na Mimi’s House.

“(…) Sou uma aspirante a livreira e moro e cresci numa cidade sem livrarias físicas até hoje, meu único acesso sempre foi a biblioteca, está vendo? Mas hoje também sou adepta as livrarias e sebos virtuais da internet, muito benéficos pra quem mora a distância das grandes cidades. Esse espacinho especial aqui é pra você que procura um livrinho usado/seminovo pra começar sua coleção, foi assim que comecei a minha, e era mágico quando cada livro chegava e, pronto: mal feito, feito! ♡ conquistou meu coração e espero que a magia dos livros em seus vários formatos alcance você”.

Obrigada pela visitia. ♡

Bambi – Felix Salten

“Sim, a vida era mesmo difícil e cheia de perigos,
mas viesse o que viesse, ele aprenderia a suportar tudo.”

Regressei a este livro porque a primeira vez que o li senti algo que não consiguia explicar. Embora o conteúdo tenha se desvanecido um pouco em minha memória, a lembrança daquele forte sentimento surgia sempre que eu lembrava de Bambi. Então resolvi reler em busca de recordar o porquê senti-me daquela maneira.

Então concluí a minha releitura e mais uma vez a literatura me faz sentir inclinada a registrar as minhas primeiras impressões, estas que tenho antes de pesquisar a respeito do autor e de sua obra. Recordo do sentimento que se impregnou na minha alma quando o li pela primeira vez, foi como um perfume de alguma flor vespertina que se abriu e eu não soube identificar a sua espécie. Mas neste momento sei exatamente o porquê, e creio que hoje posso balbuciar alguma palavra para descrever: uma experiência espiritual.

Não é espiritual no sentido de ver um fantasma, mas é algo que acontece no fundo do nosso ser, principalmente pelo próprio livro mencionar algo que está para além da natureza, de animais, de carvalhos, esquilos, lagos, raposas e cervos.

A história se inicia com o nascimento do Bambi, durante a primavera. Ele vai crescendo e descobrindo o mundo, descobre que há perigos neste mundo! Entre tanta vida, há também a morte, a mudança do tempo percebida pelas estações… Tudo muda, mas também tudo permanece igual. Os cervos nascem, mas nenhum é igual ao outro. E dentro desse universo há a perseguição que “Ele” faz às demais criaturas

“Ele” é o perigo e o perseguidor. Ele é pálido e sem pelos, possui três braços, e quando está com o terceiro, é sinal de grande risco. Embora pareça que o perigo venha somente de fora da floresta, dentro dela há as suas próprias nocividades. Uma pata deve se manter sempre alerta por causa das raposas; o esquilo igualmente, por causa das corujas. E esse mundo tão austero, aparentemente, é também regido por uma ordem, a lei da natureza. Mas um dia todos viverão em harmonia, um dia “Ele” irá brincar com os cervos e todas as demais criaturas do mundo porque o Criador de todos ressuscitou e renova todas as coisas.

O autor Felix Salten criou esta alegoria antropomórfica de si mesmo sobre a sua fuga para a Suíça na época da Segunda Guerra Mundial. Ele e sua família eram judeus. Inclusive, Hitler censurou o seu livro durante o regime nazista. Após eu ter lido sobre a obra, vi com outros olhos a leitura. Embora a minha primeira impressão não tenha sido de todo tão fora do propósito do autor.

Algumas coisas curiosas que percebi, o Bambi começa a sua vida sendo bastante curioso e entusiasmado por conhecer outros animais e ao longo de seu amadurecimento, ele vai preferindo ficar sozinho, abrindo uma exceção para a companhia do Velho Cervo, uma espécie de sábio da floresta. E é este velho sábio que ensina ao Bambi que o caçador não é maior que tudo e todos, que ele também morre e sente medo como os seus amigos da floresta. Então há Alguém que é maior que “Ele”, e é esse Alguém responsável pela criação de tudo o que existe.

Estava olhando fotos de “journaling” com o tema literatura e desejei fazer o mesmo. Que bom que o meu primeiro jornal literário tenha sido Bambi, pois é um dos meus livros favoritos, embora eu ainda não tenha nenhum exemplar. Ah, também decidi reler neste ano porque a obra está completando cem anos!! A aventura que vivi dentro do mundo do Bambi deixou-me feliz com as belas descrições da natureza, em especial o capítulo poético de duas folhas conversando e o anúncio do inverno. Senti também bastante aflição em alguns momentos e ao mesmo tempo esperança.

Edição II e umas notas aleatórias:

Bem, eu sou muito interessada em animais e eu estou sempre buscando (ou achando “do nada”) sobre algum santo que teve experiências com animais ou ensinou sobre como será a criação após a ressurreição dos corpos… Sei que este último é um assunto tratado pelos primeiros padres da Igreja, e infelizmente eu ainda não encontrei… Vou ter de ler a Patrística toda, pelo visto (risos). Já vi alguém dizer que São Máximo, o Confessor, escreveu a respeito de que Deus renovará todas as coisas, inclusive os animais, vegetais, corpos celestes, enfim, tudo o que Ele criou. E com a leitura deste livro, fiquei ainda mais obcecada em encontrar, mas por enquanto, eu acabei conhecendo umas histórias sobre São Francisco de Paula. Ele também foi alguém bastante interessado por animais e possuía um peixe e um cordeiro de estimação. Estes animais morreram e o santo rezou para Deus pedindo que devolvesse a vida aos seus bichinhos de estimação. E Deus, comovido com a sua humildade, lhe concede esta graça. O peixe se chamava Anatonella e o cordeiro Martinello. Também lembrei de São Francisco de Assis e o lobo selvagem que andava atormentando os moradores de Gubbio. Este santo selou a paz entre as pessoas e o lobo, o que me faz pensar: como os santos nos mostram com sua vida e devoção a Deus de como será na vida vindoura, acredito que a paz seja uma delas, até mesmo a paz entre “caça e caçador”.

Obrigada pela visita. ♡